Fr. Roberto Pasolini, Capuchinho, deu em Roma uma entrevista a “ALFA Y OMEGA”, às jornalistas María Martínez e Victoria I. Cardiel.
«O coração da Igreja não está só
em fazer, mas em ser e em oferecer»
Fr. Roberto Pasolini, Capuchinho, deu em Roma uma entrevista a “ALFA Y OMEGA” (diocese de Madrid, Espanha), às jornalistas María Martínez e Victoria I. Cardiel. Aqui a reproduzimos com as devidas vénias. Tradução de Américo Costa, OFMCap.
Há duas semanas pregou os exercícios espirituais ao Santo Padre e à Cúria. Começou aludindo à enfermidade do Papa.
- Inevitavelmente este tempo está marcado pela sua fragilidade; uma fragilidade que, no entanto – como tive a ocasião de dizer –, não é um mal em sentido espiritual. É parte do mistério da encarnação. Em lugar de preparar um comentário sobre a situação, procurei deixar-me alcançar pelo Evangelho, que nos diz que precisamente quando o corpo se debilita, o Espírito pode tornar-se mais claro. Senti a necessidade de insistir na lógica pascal da fé: que, o que parece uma perda, pode converter-se num lugar de revelação. O seu silêncio, em certo sentido, foi a resposta mais eloquente: uma presença orante, que nos ampara inclusive na nossa debilidade. E, talvez, esta seja uma das lições mais importantes destes dias: que o coração da Igreja não está só no fazer, mas no ser e no oferecer. Mesmo no limite, mesmo na dor. E o Papa no-lo mostra, uma vez mais, com a sua vida.
É a sua primeira Quaresma como pregador e tem sido muito especial. Qual tem sido a sua experiência interior?
Pessoalmente tenho vivido estas semanas com um sentido mais profundo de intimidade com o Senhor. Como se a todos nos fosse pedido passar do fazer ao estar. Da ação à intercessão. Senti um chamamento a levar, na oração, o rosto cansado mas luminoso do nosso Papa e, com ele, o de toda a Igreja.
E os membros da Cúria?
Cada pessoa vive a escuta da Palavra à sua maneira e os sentimentos nem sempre se revelam de forma explícita. Mas posso dizer que houve um ambiente de escuta atenta e de grande concentração. Houve quem partilhasse, em privado, alguns pensamentos, perguntas e agradecimentos. Não se trata tanto do «que sucederá», mas do «que se nos pede agora». E isso é um bom sinal. Os exercícios espirituais não pretendem ser um refúgio da realidade, mas uma maneira de atravessá-la com fé. Vi olhos atentos, corações comovidos. Não tanto ou apenas pelas minhas palavras, mas pela Palavra de Deus que ressoou entre nós.
Como recebeu, em novembro, o encargo de pregar ao Papa e à Cúria?
Com a emoção de saber que estava herdando a história e a tradição da Igreja, ao mesmo tempo que o compromisso da nossa Ordem. Este cargo tem sido atribuído aos Capuchinhos durante os últimos 300 anos. O Papa recebeu-me em audiência privada e foi um momento muito bonito. Pude expor-lhe todas as minhas dúvidas e receios, mas ele me reconfortou como um pai e me convidou a assumir esta tarefa sendo eu mesmo, sem me comparar com os que me precederam. Mas é evidente que o legado de [Raniero] Cantalamessa, como pregador durante 44 anos, me acompanha.
É difícil conseguir que as meditações cheguem ao coração de pessoas de contextos tão diferentes como as que trabalham no Vaticano?
Eu fui batizado no dia da Epifania e isso é algo que tem dado sentido aos meus estudos bíblicos e teológicos. É a festa da inclusão. Sinto esta vocação de levar o anúncio de Deus aos que parecem estar mais longe, que os que estão perto. Talvez, também, porque a minha história de fé está cheia de altos e baixos. Quando era jovem, alheei-me durante algum tempo da experiência cristã, para depois voltar com grande alegria. Conheço muitas pessoas que se separaram da Igreja porque escutaram a mensagem do Evangelho explicada de maneira incompreensível. Creio que existem muitas pessoas de boa vontade que não recusam realmente a Deus e a sua proposta de amizade e de amor: simplesmente não a escutaram de um modo adequado.
Antes de descobrir a sua vocação religiosa foi informático. Houve influência da sua formação tecnológica na sua compreensão da Escritura?
Especializei-me em inteligência artificial porque me fascinam as línguas e queria estudar modelos ou padrões com os quais pudesse conseguir compreendê-las todas. Assim, apliquei a pragmática, que é um ramo da filosofia da linguagem, à Bíblia. Em lugar de perguntar-me o que queria dizer uma frase, me questionava qual era o efeito que provocava. Muitas páginas da Bíblia necessitam de ser exploradas desde este ponto de vista, porque a Bíblia é um texto que pretende inspirar a fé. Em demasiadas ocasiões, situamo-nos perante ela com uma atitude puramente científica para encontrar o significado exato quando, o mais importante, é o que me passa a mim quando a leio.
Pode dar-nos um exemplo?
- O Evangelho de Marcos acaba — embora depois se tenham agregado outros doze versículos — com o anúncio da Ressurreição de Jesus às mulheres e como elas fogem assustadas e desobedecem ao mandato de proclamar o Evangelho. Um enfoque pragmático nos dá a solução. A conclusão à qual cheguei é que Marcos termina o seu Evangelho com um fracasso da comunidade, porque está tratando de escrever pela primeira vez como Deus salvou o mundo fracassando na cruz. Daí que termine esse anúncio de maneira surpreendente; para que não se acabasse normalizando esta grande notícia. Algo, que, por certo, finalmente aconteceu. Temos convertido a história de Jesus numa espécie de conto da Disney, que carece desse efeito de medo e de surpresa, que deveria suscitar a notícia de que Deus ressuscitou.